Fotografia
Como o professor pode
analisar fotografias historicamente com os alunos?
Vejamos uma imagem da
cidade de São Paulo.
Quintais das casas da Rua da
Tabatingüera, rio Tamanduateí, Vincenzo Pastore, 1910.
Sem ler a legenda,
pode-se questionar: como foi feita essa imagem? O que é possível observar nela?
Que lugar retrata? De que época é? São casas de moradia, de comércio? As casas
são vistas de frente ou de fundo? Para que servem as escadas? O que as pessoas
estão fazendo? O que são os panos estendidos?
Percebe-se que é uma
fotografia preto-e-branco, que retrata casas baixas e de dois andares, uma
torre de igreja, postes de luz, um rio, escadas, um barco, panos estendidos na
relva, árvores, pessoas, materiais de construção etc. Uma das pessoas parece uma
mulher de saia longa como no passado, segurando provavelmente um lençol, o que
revela que talvez seja uma lavadeira colocando roupa para quarar. A foto foi
feita de modo que se observam os quintais das casas, onde se veem árvores,
roupas no varal. Entre os quintais e o rio, parece haver um muro, com escadas e
um barco, indicando, talvez, o uso dele para transporte.
O estilo das casas e a
roupa da mulher sugerem que a foto é de outra época, provavelmente de quase cem
anos atrás. A mulher era uma lavadeira? Mas havia lavadeiras estendendo roupas
em espaços públicos das cidades? Que cidade é essa com escadas dando para o rio
no fundo das casas?
Para analisar a imagem
historicamente, quando se esgotam as possibilidades de responder pela simples
observação, é importante pesquisar a autoria, a data, a técnica, o local
retratado, a intenção do fotógrafo, se outras fotos do local focam as mesmas
coisas.
A legenda da fotografia
informa, por exemplo, que foi feita por Vincenzo Pastore em 1910. Quem foi ele?
Era um fotógrafo profissional? Em que época viveu? O que mais fotografou? Suas
fotos são semelhantes ou diferentes de outras da mesma época?
Em uma pesquisa sobre a
vida do fotógrafo (IMS, 1997), descobre-se que era italiano e que chegou ao
Brasil na década de 1890. Manteve na cidade um estúdio fotográfico, onde
produzia retratos (de casamentos, batizados, primeira comunhão), e, nas ruas e
parques, fotografava a cidade e a população mais pobre (passeios de barco no
rio Tamanduateí, realejo, vendedores de vassouras, de aves e verduras,
engraxates). Atualmente, suas fotos pertencem ao Instituto Moreira Salles. Ao
pesquisar a história da fotografia (FERREZ, 1985), sabe-se que, no século
XVIII, foi inventado o que era conhecido
Câmara escura. Imagem da Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des
sciences, des artes et des métiers, 1772.
por câmara escura (ou
câmara obscura). Era um pequeno aposento com uma diminuta abertura em uma das
paredes que permitia a entrada da luz através de uma lente. As pessoas que
estavam dentro da câmara podiam ver a paisagem externa iluminada pelo sol
projetada na parede oposta à da abertura.
A fotografia surgiu do
esforço de captar e fixar as imagens projetadas em chapas metálicas revestidas
de soluções de prata. Quando uma chapa preparada era posta em uma caixa escura
(uma câmara escura em miniatura) e colocada diante de uma cena ou de um objeto,
a forma da cena ou do objeto reproduzia-se gradualmente em sua superfície. Era
necessário esperar, assim, algum tempo para que a imagem se fixasse
na chapa.
A primeira fotografia foi
feita em 1826 por Nicéphore Niepce, na França. Como “filme”, ele usou uma chapa
sensível de cobre e obteve uma imagem pouco nítida do telhado de uma granja.
Trabalhando com Niepce, na década de 1830, Louis J. M. Daguerre passou a tratar
as chapas sensíveis de cobre com vapor de mercúrio a fim de obter imagens mais
nítidas. As fotos produzidas com essa técnica receberam o nome de “daguerreótipos”,
em homenagem a seu inventor. Na mesma época, o inglês Fox Talbot fazia
experimentos com fotos usando, como negativo, papel revestido de cloreto de
prata. A grande vantagem era a possibilidade
de reproduzir várias
cópias da foto comprimindo o original contra papel sensível e expondo-o à luz
solar, o que não se podia fazer com os daguerreótipos. Hoje sabe-se que, no
Brasil, por volta de 1833, outro francês, Hercule Florence, de maneira isolada
e independente, começou a fazer experimentos de impressão com
nitrato de prata e com
câmara escura na vila de São Carlos (Campinas). Segundo Boris Kossoy (2002, p.
143), seus experimentos o levaram a utilizar processos fotográficos antes da
descoberta de Daguerre.
Os daguerreótipos e os
papéis negativos de Talbot perduraram até 1860, quando passou a ser usada chapa
de vidro quimicamente tratada como “filme”. O vidro, por ser transparente e
permitir a passagem da luz, possibilitava a reprodução de cópias fotográficas claras
e nítidas. Ainda no século XIX apareceu a primeira câmara Kodak. Era pequena e
leve, com uma lente de foco fixo, que captava com nitidez tudo o que estava
até 2,5 metros. A
colocação do filme (que passou a ser de material flexível, em rolo) era feita
na fábrica e, depois de tomadas cem fotografias, a máquina era enviada ao
fabricante, que revelava, copiava e entregava as fotos com a câmara novamente
carregada ao proprietário. A câmara Kodak foi um sucesso na época. Foram
vendidos milhares delas em todo o mundo com o slogan: “Você aperta o botão, nós fazemos o resto”.
No Brasil, a
daguerreotipia foi introduzida em 1840 pelo abade Combes, capelão de um
navio-escola francês, que foi o autor dos três primeiros daguerreótipos tirados
no país, no Rio de Janeiro.
A família imperial ficou
encantada ao ver fixadas, em nove minutos, as imagens do Rio de Janeiro. Dom
Pedro II, então com apenas 14 anos, adquiriu, ainda em 1840, um aparelho por
250 mil-réis, tornando-se o primeiro brasileiro a fazer daguerreótipos. Ao longo
de toda a sua vida, tirou e colecionou fotografias de parentes, amigos e
paisagens do Brasil, que mais tarde, quando partiu para a Europa, doou à
Biblioteca Nacional.
Entre as décadas de 1840
e 1850, profissionais e amadores adeptos da fotografia passaram a registrar as
mais variadas cenas brasileiras. Muitos desses fotógrafos eram estrangeiros que
haviam adquirido seus conhecimentos nos países de origem – alemães, franceses,
italianos, norte-americanos, ingleses, suíços, australianos...
O mais conhecido
fotógrafo da cidade de São Paulo do século XIX foi Militão Augusto de Azevedo,
cujo acervo fotográfico está atualmente no Museu Paulista.
No mesmo século, o alemão
Alberto Henschel registrou em fotos a cidade do Recife, Pernambuco.
Largo da Sé, Militão Augusto
de Azevedo, 1860.
Já no início do século
XX, São Paulo foi fotografada por profissionais como Guilherme Gaensly e
Vincenzo Pastore, e o Rio de Janeiro, por Christiano Junior, Marc Ferrez e
Augusto Malta. A técnica utilizada para produzir a fotografia é também
importante indício para a “leitura” de sua época. No século XIX, profissionais
e amadores dominavam alguns princípios de óptica para criar as fotos, enquanto
hoje a simplicidade dos equipamentos libera a fotografia para qualquer usuário.
Atualmente, as cores, a nitidez, a qualidade dos negativos e das lentes, as
câmaras digitais expressam o desenvolvimento das técnicas empregadas na
captação e reprodução de imagens.
Ao “ler” fotografias,
sejam elas do século XIX ou do XXI, é fundamental lembrar que não podem ser
confundidas com a realidade. São expressões de um momento específico, de
técnicas de captação e reprodução, imagens construídas. Quem confunde uma foto
com costumes de uma época pode cometer o engano de pensar que pessoas
fotografadas em estúdios no século XIX se vestiam diariamente com roupas
apertadas, bem passadas e aprumadas ou que as crianças não podiam sorrir e
tinham de se comportar como pequenos adultos. No entanto, nas antigas
fotografias de estúdios, por conta da técnica de captação, as pessoas
precisavam ficar paralisadas por muito tempo para a imagem ser fixada. Além
disso, diferentemente de hoje, quando a foto tem presença constante no
dia-a-dia, no passado as pessoas costumavam se arrumar para a ocasião, porque
talvez fosse a única foto que tirariam na vida.
Em 1839, Daguerre
registrou uma rua de Paris em uma chapa revestida de prata. Na imagem aparecem
a rua vazia, árvores, prédios, telhados e um único homem em pé. Uma pessoa que
não conhece a história da fotografia poderia acreditar que a rua não tinha
movimento naquele momento, o que não é verdade. A rua estava bastante movimentada,
mas somente um homem (com seus sapatos sendo engraxados) permaneceu
parado tempo suficiente
para ficar visível na foto, que requeria a exposição de cinco minutos (MUELLER et al., 1968).
Na análise de
fotografias, é importante reconhecer que elas são recortes da realidade, criadas
por um autor, com domínio de certa técnica, com determinado gosto estético,
privilegiando certo ângulo, procurando dada intencionalidade e envolvendo valores,
hábitos, limites e possibilidades de seu contexto de produção.
Daguerreótipo de uma rua de
Paris feito por Daguerre, 1839.
Com o reconhecimento da
complexidade na leitura de fotografias, o professor pode retomar a foto de
Vincenzo Pastore e questionar aos alunos: qual foi seu olhar em relação à
cidade? A cena retratada por ele é diferente ou semelhante ao recorte de outros
fotógrafos, pintores, desenhistas, cronistas, escritores, historiadores que
recontam também cenários da cidade? A foto mostra a cidade de São Paulo
moderna, a cidade em crescimento? Ou privilegia a São Paulo pouco conhecida, no
meio caminho entre o rural e o urbano – os fundos das casas, a lavadeira e seus
lençóis, os quintais e as roupas estendidas em varais, os barcos no
Tamanduateí?
Comparando as fotos de
Vincenzo Pastore com as de Guilherme Gaensly, que fotografou São Paulo na mesma
época, percebem-se as semelhanças e as particularidades de cada um. Ambos
faziam retratos em estúdios e ao ar livre, mas, enquanto Pastore privilegiava
as pessoas em seus afazeres diários na cidade, Gaensly registrava edifícios, logradouros,
obras públicas e paisagens urbanas e rurais. As fotos de Gaensly trazem o bonde,
a Estação da Luz, as novas casas da avenida Paulista recém-inaugurada; as de Pastore,
meninos engraxates jogando bola de gude, o chão de terra, ovelhas pastando, carregadores
de malas lendo jornal, vendedor de galinha tomando caldo e embebendo nele seu
pão, crianças brincando no parque, o recolhimento do lixo público.
As fotografias de um e de
outro possibilitam questionar a vida naquele tempo, porém outros contextos as
transformam, incitando outras perguntas: que imagens de São Paulo são
reproduzidas nos livros didáticos? De quais fotógrafos? De que épocas? Como a
escolha de uma imagem para representar determinada época histórica também sugere
valores e intencionalidades, o professor deve ficar atento ao selecionar fotos
para
analisar contextos
históricos em suas aulas.
A fotografia é muito mais
do que uma imagem que apreende determinado lugar ou pessoa. Ela tem contribuído
para ampliar as formas de expressão, comunicação, difusão de idéias e valores e
expandir o conhecimento a respeito de épocas, lugares, pessoas e pensamentos.
Tem sido instrumento nas situações de guerra (vigiando e espionando) e usada
como propaganda política, cultural e econômica. Tem veiculado
discursos persuasivos,
imagens ilusórias, modelos de comportamento, o culto a personalidades ou a
eliminação de personagens do cenário político (TACCA, abr. 1995, p. 99-105).
Fotos de Mao Tsé-tung, por exemplo, veiculam há anos na China a ideia de
estabilidade política; fotos de Che Guevara transformaram sua imagem em ícone; Stálin
eliminou de fotos opositores para indicar que caíram em desgraça na perspectiva
do partido; o nazismo utilizou amplamente fotomontagens para difundir sua
perspectiva de mundo; e, em diferentes momentos históricos, fotos jornalísticas
converteram acontecimentos em fatos históricos, manipularam a opinião pública,
desclassificaram ou valorizaram pessoas. É essa complexidade de intenções
envolvidas na produção, difusão e uso que o professor deve levar em conta ao
trabalhar com a “leitura” de fotografias nas aulas de História.
E você, tem analisado
fotografias com seus alunos? Qual foto você já analisou? Para estudar qual
contexto? Por meio de quais questões? O que os estudantes aprenderam?
Referencial de expectativas para o desenvolvimento da
competência leitora e escritora: caderno de orientação didática de História /
Secretaria Municipal de Educação – São Paulo: SME