Obra de arte
Giulio Argan (1999), um
dos mais importantes estudiosos da história da arte, afirma que a pior de todas
as possibilidades de análise de uma obra é julgá-la pela interpretação de seu
conteúdo, ou seja, como uma representação de um objeto, um acontecimento, uma ação
ou uma paisagem, e pensar que, portanto, para penetrar em seu significado, basta
interpretar o que está retratado nela. Segundo o especialista, isso gera uma
leitura esquemática e o desprezo à composição estética. Ele exemplifica dizendo
que proceder assim
seria o mesmo que ler
versos de um poema dando atenção apenas ao conteúdo comunicado, como se fosse
prosa, ignorando os elementos poéticos, a sonoridade, a estrutura. Assim,
pode-se deduzir que interpretar uma obra de arte depende do esforço de levar em
consideração a especificidade de cada arte e as mudanças incorporadas a ela historicamente.
Para analisar uma pintura, é importante saber, por exemplo, como eram
concebidas a cor e a
linha em cada época, pois em cada contexto elas têm sido compreendidas de
maneiras diferentes.
Quais as especificidades
das artes? Na pintura, são a linha e a cor? Na música, a articulação do som da
perspectiva estética? No cinema, a câmara em movimento, a edição, as múltiplas
linguagens? Na fotografia, a captação do mundo em imagem? Na literatura, as
palavras e a construção textual? Na dança, o movimento corporal com uma intenção
estética? No teatro, a interpretação?
Para Argan, a leitura de
uma obra de arte deve envolver tudo o que se vê, se ouve, se sente. Na pintura,
é preciso observar os pormenores, as pinceladas, as cores, as figuras, as
relações entre os elementos retratados, o todo da obra e também suas partes, mas
também analisá-la como objeto, ou seja, seu tamanho, o material de que é feita,
a técnica empregada etc.
Por exemplo, por
convenção da época, os quadros renascentistas com temas históricos valiam mais
do que pinturas retratando paisagens. Em geral, as pinturas históricas tendiam
a ser de maior proporção. Assim, nesse tempo, a materialidade da obra, seu tamanho,
agregava mais valor a ela do que sua qualidade estética.
Já Guernica, de Picasso, é um quadro
com valor simbólico – de protesto contra a ação de Franco na Guerra Civil
Espanhola. Desde o momento em que concebeu a pintura, o pintor transformou-a em
símbolo contra a guerra e regimes autoritários. Seu grande valor é político e
histórico. Segundo Argan, na análise de obras de arte, também se deve observar
a dimensão dos significados simbólicos. Nesse caso, é preciso buscar na obra o
valor dos signos, que se apresentam com o próprio significado (a coisa em si) e
também com o significado de outra coisa que depende de sua relação com o
contexto (que é necessário reconstruir). Em uma pintura, cada elemento pode ter
um significado relevante – uma cor, uma pincelada, uma árvore, uma linha, o
lugar onde está o objeto retratado. Por exemplo, no quadro Ressurreição de
Cristo, de Piero della
Francesca, qual o significado de a paisagem à direita estar verde e à esquerda
parecer morta? Essas escolhas estabelecem relação com o tema da obra? Qual o
efeito do estandarte, que Cristo carrega, na composição do quadro? Qual o papel
das figuras dos guardiões na seqüência de campos da perspectiva?
Do ponto de vista
histórico, as diferentes questões auxiliam a identificar a historicidade da
obra, não somente tendo como referência a época do autor, mas fundamentalmente observando
nela os diversos elementos que indicam sua temporalidade.
A obra de arte é também,
em parte, fruto de uma conversa do artista com as possibilidades técnicas do
momento vivido e representa um agir que se vincula às técnicas possíveis e que
muitas vezes questiona o mundo que as prioriza. Um exemplo são os materiais
empregados nas pinturas, criados em determinado contexto histórico. É o caso da
tela e da tinta à base de óleo de linhaça, que datam do Renascimento europeu.
A qualidade do óleo, por
demorar a secar, permitia ao artista trabalhar a tela por mais tempo, repintar
e dar impressões de transparência e de aveludado. Em contraposição, antes da
invenção, os quadros eram pintados com têmpera sobre madeira.
No ensino de História,
algumas dessas questões podem ser feitas em relação à obra em estudo para
auxiliar os alunos na identificação de sua dimensão histórica. Por exemplo: •
como objeto: do que é feita, com quais materiais (madeira, pedra, tecido,
tintas), quais suas dimensões, quais as cores empregadas;
• quanto ao estilo:
pinceladas, composição, emprego das cores;
Ressurreição de
Cristo, Piero della Francesca, 1450-1463
(Sansepolcro, Museu Comunal).
• quanto ao contexto
social e econômico: se foi encomendada, se o custo dos materiais interferiu na
obra, se foi produzida para algum fim (BAXANDALL, 1991);
• quanto ao tema: o que é
retratado, os significados dos detalhes, como os detalhes compõem o todo, qual
a idéia geral, quais as diferenças e as semelhanças entre os temas também
retratados por outros artistas, como o tema tem sido retratado em diferentes
épocas;
• quanto ao autor e sua
época: quem é o autor, como se tornou artista, seu estilo e seu diálogo com a
arte e com sua época, com outros artistas, idéias defendidas por ele.
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