quinta-feira, 4 de outubro de 2012


Fotografia
Como o professor pode analisar fotografias historicamente com os alunos?
Vejamos uma imagem da cidade de São Paulo.

Quintais das casas da Rua da Tabatingüera, rio Tamanduateí, Vincenzo Pastore, 1910.

Sem ler a legenda, pode-se questionar: como foi feita essa imagem? O que é possível observar nela? Que lugar retrata? De que época é? São casas de moradia, de comércio? As casas são vistas de frente ou de fundo? Para que servem as escadas? O que as pessoas estão fazendo? O que são os panos estendidos?
Percebe-se que é uma fotografia preto-e-branco, que retrata casas baixas e de dois andares, uma torre de igreja, postes de luz, um rio, escadas, um barco, panos estendidos na relva, árvores, pessoas, materiais de construção etc. Uma das pessoas parece uma mulher de saia longa como no passado, segurando provavelmente um lençol, o que revela que talvez seja uma lavadeira colocando roupa para quarar. A foto foi feita de modo que se observam os quintais das casas, onde se veem árvores, roupas no varal. Entre os quintais e o rio, parece haver um muro, com escadas e um barco, indicando, talvez, o uso dele para transporte.
O estilo das casas e a roupa da mulher sugerem que a foto é de outra época, provavelmente de quase cem anos atrás. A mulher era uma lavadeira? Mas havia lavadeiras estendendo roupas em espaços públicos das cidades? Que cidade é essa com escadas dando para o rio no fundo das casas?
Para analisar a imagem historicamente, quando se esgotam as possibilidades de responder pela simples observação, é importante pesquisar a autoria, a data, a técnica, o local retratado, a intenção do fotógrafo, se outras fotos do local focam as mesmas coisas.
A legenda da fotografia informa, por exemplo, que foi feita por Vincenzo Pastore em 1910. Quem foi ele? Era um fotógrafo profissional? Em que época viveu? O que mais fotografou? Suas fotos são semelhantes ou diferentes de outras da mesma época?
Em uma pesquisa sobre a vida do fotógrafo (IMS, 1997), descobre-se que era italiano e que chegou ao Brasil na década de 1890. Manteve na cidade um estúdio fotográfico, onde produzia retratos (de casamentos, batizados, primeira comunhão), e, nas ruas e parques, fotografava a cidade e a população mais pobre (passeios de barco no rio Tamanduateí, realejo, vendedores de vassouras, de aves e verduras, engraxates). Atualmente, suas fotos pertencem ao Instituto Moreira Salles. Ao pesquisar a história da fotografia (FERREZ, 1985), sabe-se que, no século XVIII, foi inventado o que era conhecido

Câmara escura. Imagem da Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des sciences, des artes et des métiers, 1772.

por câmara escura (ou câmara obscura). Era um pequeno aposento com uma diminuta abertura em uma das paredes que permitia a entrada da luz através de uma lente. As pessoas que estavam dentro da câmara podiam ver a paisagem externa iluminada pelo sol projetada na parede oposta à da abertura.
A fotografia surgiu do esforço de captar e fixar as imagens projetadas em chapas metálicas revestidas de soluções de prata. Quando uma chapa preparada era posta em uma caixa escura (uma câmara escura em miniatura) e colocada diante de uma cena ou de um objeto, a forma da cena ou do objeto reproduzia-se gradualmente em sua superfície. Era necessário esperar, assim, algum tempo para que a imagem se fixasse
na chapa.
A primeira fotografia foi feita em 1826 por Nicéphore Niepce, na França. Como “filme”, ele usou uma chapa sensível de cobre e obteve uma imagem pouco nítida do telhado de uma granja. Trabalhando com Niepce, na década de 1830, Louis J. M. Daguerre passou a tratar as chapas sensíveis de cobre com vapor de mercúrio a fim de obter imagens mais nítidas. As fotos produzidas com essa técnica receberam o nome de “daguerreótipos”, em homenagem a seu inventor. Na mesma época, o inglês Fox Talbot fazia experimentos com fotos usando, como negativo, papel revestido de cloreto de prata. A grande vantagem era a possibilidade
de reproduzir várias cópias da foto comprimindo o original contra papel sensível e expondo-o à luz solar, o que não se podia fazer com os daguerreótipos. Hoje sabe-se que, no Brasil, por volta de 1833, outro francês, Hercule Florence, de maneira isolada e independente, começou a fazer experimentos de impressão com
nitrato de prata e com câmara escura na vila de São Carlos (Campinas). Segundo Boris Kossoy (2002, p. 143), seus experimentos o levaram a utilizar processos fotográficos antes da descoberta de Daguerre.
Os daguerreótipos e os papéis negativos de Talbot perduraram até 1860, quando passou a ser usada chapa de vidro quimicamente tratada como “filme”. O vidro, por ser transparente e permitir a passagem da luz, possibilitava a reprodução de cópias fotográficas claras e nítidas. Ainda no século XIX apareceu a primeira câmara Kodak. Era pequena e leve, com uma lente de foco fixo, que captava com nitidez tudo o que estava
até 2,5 metros. A colocação do filme (que passou a ser de material flexível, em rolo) era feita na fábrica e, depois de tomadas cem fotografias, a máquina era enviada ao fabricante, que revelava, copiava e entregava as fotos com a câmara novamente carregada ao proprietário. A câmara Kodak foi um sucesso na época. Foram vendidos milhares delas em todo o mundo com o slogan: “Você aperta o botão, nós fazemos o resto”.
No Brasil, a daguerreotipia foi introduzida em 1840 pelo abade Combes, capelão de um navio-escola francês, que foi o autor dos três primeiros daguerreótipos tirados no país, no Rio de Janeiro.
A família imperial ficou encantada ao ver fixadas, em nove minutos, as imagens do Rio de Janeiro. Dom Pedro II, então com apenas 14 anos, adquiriu, ainda em 1840, um aparelho por 250 mil-réis, tornando-se o primeiro brasileiro a fazer daguerreótipos. Ao longo de toda a sua vida, tirou e colecionou fotografias de parentes, amigos e paisagens do Brasil, que mais tarde, quando partiu para a Europa, doou à Biblioteca Nacional.
Entre as décadas de 1840 e 1850, profissionais e amadores adeptos da fotografia passaram a registrar as mais variadas cenas brasileiras. Muitos desses fotógrafos eram estrangeiros que haviam adquirido seus conhecimentos nos países de origem – alemães, franceses, italianos, norte-americanos, ingleses, suíços, australianos...
O mais conhecido fotógrafo da cidade de São Paulo do século XIX foi Militão Augusto de Azevedo, cujo acervo fotográfico está atualmente no Museu Paulista.
No mesmo século, o alemão Alberto Henschel registrou em fotos a cidade do Recife, Pernambuco.

Largo da Sé, Militão Augusto de Azevedo, 1860.

Já no início do século XX, São Paulo foi fotografada por profissionais como Guilherme Gaensly e Vincenzo Pastore, e o Rio de Janeiro, por Christiano Junior, Marc Ferrez e Augusto Malta. A técnica utilizada para produzir a fotografia é também importante indício para a “leitura” de sua época. No século XIX, profissionais e amadores dominavam alguns princípios de óptica para criar as fotos, enquanto hoje a simplicidade dos equipamentos libera a fotografia para qualquer usuário. Atualmente, as cores, a nitidez, a qualidade dos negativos e das lentes, as câmaras digitais expressam o desenvolvimento das técnicas empregadas na captação e reprodução de imagens.
Ao “ler” fotografias, sejam elas do século XIX ou do XXI, é fundamental lembrar que não podem ser confundidas com a realidade. São expressões de um momento específico, de técnicas de captação e reprodução, imagens construídas. Quem confunde uma foto com costumes de uma época pode cometer o engano de pensar que pessoas fotografadas em estúdios no século XIX se vestiam diariamente com roupas apertadas, bem passadas e aprumadas ou que as crianças não podiam sorrir e tinham de se comportar como pequenos adultos. No entanto, nas antigas fotografias de estúdios, por conta da técnica de captação, as pessoas precisavam ficar paralisadas por muito tempo para a imagem ser fixada. Além disso, diferentemente de hoje, quando a foto tem presença constante no dia-a-dia, no passado as pessoas costumavam se arrumar para a ocasião, porque talvez fosse a única foto que tirariam na vida.
Em 1839, Daguerre registrou uma rua de Paris em uma chapa revestida de prata. Na imagem aparecem a rua vazia, árvores, prédios, telhados e um único homem em pé. Uma pessoa que não conhece a história da fotografia poderia acreditar que a rua não tinha movimento naquele momento, o que não é verdade. A rua estava bastante movimentada, mas somente um homem (com seus sapatos sendo engraxados) permaneceu
parado tempo suficiente para ficar visível na foto, que requeria a exposição de cinco minutos (MUELLER et al., 1968).
Na análise de fotografias, é importante reconhecer que elas são recortes da realidade, criadas por um autor, com domínio de certa técnica, com determinado gosto estético, privilegiando certo ângulo, procurando dada intencionalidade e envolvendo valores, hábitos, limites e possibilidades de seu contexto de produção.

Daguerreótipo de uma rua de Paris feito por Daguerre, 1839.

Com o reconhecimento da complexidade na leitura de fotografias, o professor pode retomar a foto de Vincenzo Pastore e questionar aos alunos: qual foi seu olhar em relação à cidade? A cena retratada por ele é diferente ou semelhante ao recorte de outros fotógrafos, pintores, desenhistas, cronistas, escritores, historiadores que recontam também cenários da cidade? A foto mostra a cidade de São Paulo moderna, a cidade em crescimento? Ou privilegia a São Paulo pouco conhecida, no meio caminho entre o rural e o urbano – os fundos das casas, a lavadeira e seus lençóis, os quintais e as roupas estendidas em varais, os barcos no Tamanduateí?
Comparando as fotos de Vincenzo Pastore com as de Guilherme Gaensly, que fotografou São Paulo na mesma época, percebem-se as semelhanças e as particularidades de cada um. Ambos faziam retratos em estúdios e ao ar livre, mas, enquanto Pastore privilegiava as pessoas em seus afazeres diários na cidade, Gaensly registrava edifícios, logradouros, obras públicas e paisagens urbanas e rurais. As fotos de Gaensly trazem o bonde, a Estação da Luz, as novas casas da avenida Paulista recém-inaugurada; as de Pastore, meninos engraxates jogando bola de gude, o chão de terra, ovelhas pastando, carregadores de malas lendo jornal, vendedor de galinha tomando caldo e embebendo nele seu pão, crianças brincando no parque, o recolhimento do lixo público.
As fotografias de um e de outro possibilitam questionar a vida naquele tempo, porém outros contextos as transformam, incitando outras perguntas: que imagens de São Paulo são reproduzidas nos livros didáticos? De quais fotógrafos? De que épocas? Como a escolha de uma imagem para representar determinada época histórica também sugere valores e intencionalidades, o professor deve ficar atento ao selecionar fotos para
analisar contextos históricos em suas aulas.
A fotografia é muito mais do que uma imagem que apreende determinado lugar ou pessoa. Ela tem contribuído para ampliar as formas de expressão, comunicação, difusão de idéias e valores e expandir o conhecimento a respeito de épocas, lugares, pessoas e pensamentos. Tem sido instrumento nas situações de guerra (vigiando e espionando) e usada como propaganda política, cultural e econômica. Tem veiculado
discursos persuasivos, imagens ilusórias, modelos de comportamento, o culto a personalidades ou a eliminação de personagens do cenário político (TACCA, abr. 1995, p. 99-105). Fotos de Mao Tsé-tung, por exemplo, veiculam há anos na China a ideia de estabilidade política; fotos de Che Guevara transformaram sua imagem em ícone; Stálin eliminou de fotos opositores para indicar que caíram em desgraça na perspectiva do partido; o nazismo utilizou amplamente fotomontagens para difundir sua perspectiva de mundo; e, em diferentes momentos históricos, fotos jornalísticas converteram acontecimentos em fatos históricos, manipularam a opinião pública, desclassificaram ou valorizaram pessoas. É essa complexidade de intenções envolvidas na produção, difusão e uso que o professor deve levar em conta ao trabalhar com a “leitura” de fotografias nas aulas de História.
E você, tem analisado fotografias com seus alunos? Qual foto você já analisou? Para estudar qual contexto? Por meio de quais questões? O que os estudantes aprenderam?

Referencial de expectativas para o desenvolvimento da competência leitora e escritora: caderno de orientação didática de História / Secretaria Municipal de Educação – São Paulo: SME

Nenhum comentário:

Postar um comentário