Discurso político
De modo geral, “o discurso é um conjunto de frases
logicamente ordenadas, de forma a comunicar um sentido” (CEIA). Já o discurso
político envolve o texto organizado com finalidades políticas e articulado com
a esfera do poder. Ao proferir um discurso, o político assume uma posição
ideológica e coloca-se histórico-socialmente perante seu público, evocando um
conjunto de crenças e valores que, teoricamente, não poderá
contradizer (TAVARES).
Vejamos como exemplo o discurso de Getúlio Vargas nas
comemorações do Dia
do Trabalho de 1951 (disponível em:
<http://www.saoborja.com.br/getulio>. Acesso
em: 3 nov. 2006).
“Preciso de vós, trabalhadores do Brasil, meus amigos, meus
companheiros de uma longa jornada; preciso de vós, tanto quanto precisais de
mim. Preciso da vossa união; preciso que vos organizeis solidariamente em
sindicatos; preciso que formeis um bloco forte e coeso que possa dispor de toda
a força de que necessita para resolver os vossos próprios problemas. Preciso de
vossa união para lutar contra os sabotadores para que eu não fique prisioneiro
dos interesses dos especuladores e dos gananciosos, em prejuízo dos interesses
do povo. Preciso do vosso apoio coletivo, estratificado e
consolidado na organização dos sindicatos, para que meus
propósitos não se esterilizem e a sinceridade com que me empenho em resolver os
nossos problemas não seja colhida de surpresa e desarmada pela onda reacionária
dos interesses egoístas, que, de todos os lados, tentam impedir a livre ação de
meu governo. Chegou, por isso mesmo, a hora de o governo apelar para os
trabalhadores e dizerlhes: uni-vos todos nos vossos sindicatos, como forças livres
e organizadas. As autoridades não poderão cercear a vossa liberdade nem usar de
pressão ou coação. O sindicato é a vossa arma de luta, a vossa fortaleza
defensiva, o vosso instrumento de ação política. Na hora presente, nenhum governo
poderá subsistir, ou dispor de força eficiente para as suas realizações sociais, se não contar com o
apoio das organizações, sindicatos ou cooperativas, que as classes mais
numerosas da nação podem influir nos governos, orientar a administração pública
na defesa dos interesses populares.”
O que faz esse texto ser um discurso político? A quem
Getúlio se dirige? O que fala? Qual a idéia que defende? Como justifica essa
idéia? Como constrói o texto segundo sua finalidade política?
De modo geral, o discurso político fundamenta-se na
construção de uma lógica de argumentação e exemplos, articulados
estrategicamente, para propor um projeto de futuro. O estadista, propagando
alcançar o bem comum, concebe um Estado ideal, contraposto ao real (presente).
Por isso, o texto do discurso político insere-se na esfera da política e, nela,
projeta-se no âmbito do possível, daquilo que pode ser feito (Gregório , 2005).
Para entender melhor o discurso político, é importante
conhecer as ferramentas usadas por seus autores, ou seja, perceber que a
intenção da construção do texto é atrair a atenção dos ouvintes/leitores. Para
isso, eles fazem uso da persuasão e da eloqüência.
Na persuasão (com o objetivo de convencer, comover e
agradar), ordenam os pensamentos de maneira a levar o interlocutor a aceitar
certo ponto de vista. Na eloqüência, exaltam o otimismo, o entusiasmo, a
vivência no Estado ideal, apesar das dificuldades presentes (idem).
Ao analisar esse tipo de texto, é essencial identificar o
que está “influenciando” o autor/político no momento em que produz seu
discurso, qual é o cenário, a época, o contexto em que está inserido. É
preciso, assim, conhecer o discurso dentro de suas condições de produção
(TAVARES). Como afirma Patrick Charaudeau (2006, p. 99), “o discurso político
é, por excelência, o lugar de um jogo de máscaras. Toda palavra pronunciada no
campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que diz e o que não diz”.
No caso do discurso de Getúlio, para quem ele fala sem
declarar explicitamente? O que diz sem efetivamente dizer? A análise desse tipo
de texto nas aulas de História tem por objetivo formar leitores críticos, com
domínios para questioná-lo e para perceber as afirmações e as contradições do
que é dito e escrito por seus representantes políticos na vida social. Atualmente,
quando falamos de discurso político, é quase impossível dissociá-lo de imagens
na televisão, rádio, outdoors e palanques. Sabemos a força do vídeo e
sua interferência na imagem do candidato e em seu discurso. Afinal, uma boa
gravação é capaz de aumentar o número de eleitores de meia dúzia para uma
centena; distribuição gratuita de bonés, camisetas, santinhos e faixas pode
tornar simples espectadores militantes convictos; e a roupa da moda, maquiagem
e gestos, cuidadosamente estudados, transformam o candidato em um artigo de
consumo.
Na época de Getúlio, a ação da propaganda política também
era associada a seus discursos políticos. Qual era o papel do Estado na
construção da imagem desse presidente? Qual a relação entre a imagem construída
para ele e seu discurso no dia 1º de maio de 1951?
Estudar discursos políticos nas aulas de História pode
possibilitar um olhar mais analítico das reais propostas dos candidatos e seus
programas. Afinal, nas palavras estão as intenções e as propostas projetadas
por eles politicamente. Vejamos agora alguns trechos do discurso do presidente
Lula no Fórum Econômico Mundial, em Davos, em 26 de janeiro de 2003 (disponível
em: http://www.bbc.co.uk/ portuguese/noticias/2003/030126_integraamt.shtml).
“[...]
Trago a Davos o sentimento de esperança que tomou conta de
toda a sociedade brasileira. O Brasil se reencontrou consigo mesmo, e esse
reencontro se expressa no entusiasmo da sociedade e na mobilização nacional
para enfrentar os enormes problemas que temos pela frente.
Aqui, em Davos, convencionou-se dizer que hoje existe um
único Deus: o mercado. Mas a liberdade de mercado pressupõe, antes de tudo, a
liberdade e a segurança dos cidadãos.
Respondi, de forma serena e madura, aos que desconfiaram dos
nossos compromissos, durante a campanha eleitoral. Na Carta ao Povo Brasileiro,
reafirmei a disposição de realizar reformas econômicas, sociais e políticas
muito profundas, respeitando contratos e assegurando o equilíbrio econômico.
O Brasil trabalha para reduzir as disparidades econômicas e
sociais, aprofundar a democracia política, garantir as liberdades públicas e
promover, ativamente, os direitos humanos. A face mais visível dessas
disparidades são os mais de 45 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha
da pobreza. [...]
Urge que o Brasil promova a reforma agrária e retome o
crescimento econômico, de modo a distribuir renda. Estabelecemos regras
econômicas claras, estáveis e transparentes. E estamos combatendo,
implacavelmente, a corrupção. [...] Somos um país acolhedor. A tolerância e a
solidariedade são características do povo brasileiro. [...] Todo o esforço que
estamos fazendo, para recuperar, responsavelmente, a economia brasileira, no
entanto, não atingirá plenamente seus objetivos sem mudanças importantes na
ordem econômica mundial. [...] De nada valerá o esforço exportador que venhamos
a desenvolver se os países ricos continuarem a pregar o livre-comércio e a
prática do protecionismo.”
O que há em comum entre o discurso de Getúlio e o de Lula? O
que os caracteriza como discursos políticos?
Em ambos os discursos, podem ser analisados: as
argumentações, a persuasão e a eloqüência na construção da fala/texto; o Estado
ideal versus o real; a posição ideológica histórico-social; e afirmações
e contradições na construção da fala de persuasão. Além disso, é importante
reconhecer que os diferentes recortes estabelecidos pelo professor de História
também são projeções políticas e ideológicas de seus valores e expectativas.
Assim, na análise do discurso político, professor e alunos
são protagonistas na criação de um diálogo. No discurso de Lula, estão
implícitos vários conceitos e fatos históricos, como: liberalismo econômico,
cidadania e protecionismo; Davos e sua importância no cenário político-econômico
do mundo; a própria figura política de Lula na história do Brasil; e o programa
político do Partido dos Trabalhadores e sua trajetória para chegar ao poder.
O professor de História pode confrontar idéias identificadas
no texto e conceituadas com base no próprio discurso com conceituações
históricas de épocas passadas, encontradas em outros textos. Qual o conceito de
liberalismo econômico no século XVIII e qual o utilizado pelo presidente? Como
Lula entende o conceito de cidadania e como ela pode ter sido entendida em
distintas épocas? O que significava protecionismo durante a política econômica
do mercantilismo dos séculos XVI e XVII e na política econômica nacionalista de
Getúlio Vargas e como Lula entende esse conceito hoje? Por que, para Lula, a
liberdade e a segurança do cidadão estão antes do mercado? Mas de qual
liberdade ele está falando? Por que, em sua concepção, o mercado pode interferir
na liberdade? Pesquisas podem complementar a análise do texto, procurando
respostas às seguintes perguntas:
• Por que o presidente afirma, em um primeiro momento, que
ele representa a esperança de toda a sociedade e, logo em seguida, que alguns,
durante a campanha eleitoral, desconfiaram de seus compromissos?
• Quais seriam as reformas econômicas, sociais e políticas
que ele pretende realizar? O texto responde a essa questão?
• De que forma Lula pretende realizar seus objetivos
(distribuir renda, garantir liberdades públicas, aprofundar a democracia etc.)?
O texto responde a essa questão?
• Por que o presidente afirma ser o Brasil um país
acolhedor, tolerante e solidário?
• Quais são as mudanças econômicas mundiais que ele
considera necessárias para o desenvolvimento do país?
• Passados alguns anos, como ficaram os compromissos
afirmados pelo presidente em Davos no que se refere a corrupção e combate às
desigualdades sociais?
Por fim, pode ser significativo os estudantes refletirem
sobre as características dos discursos políticos e depois, em grupo, elaborarem
propostas para a criação de um texto com essas características, priorizando,
por exemplo, a construção de argumentações para convencer os colegas de alguma
proposta social ou política que defendem. Esse tipo de exercício contribui para
o debate do uso da escrita para diferentes finalidades, atribuindo sentidos ao
ler e escrever, desviando de textos apenas com fins escolares e avançando para
produções mais profundas.
Uma sugestão para trabalhar com discursos políticos é propor
aos alunos o desenvolvimento de projetos de lei para serem enviados para o
Parlamento Jovem Municipal. A redação desses projetos pode consistir de duas
etapas: leitura de textos de lei e leitura de justificativas de projetos de
lei. Diante desses textos, recomenda-se questionar, por exemplo: a quem o
projeto vai beneficiar ou na vida de quem (sujeito, grupo social etc.) vai
interferir? De onde sairão os custos do projeto? Quem será responsável por sua
manutenção?
Adquirido o aprendizado com as leituras, o passo seguinte é
escrever o projeto de lei e sua justificativa. O texto da justificativa demanda
mais cuidados, pois é nele que o aluno explica a razão de estar apresentando
seu projeto, sua necessidade e sua importância, conclamando o voto favorável
dos demais a sua proposta. Portanto, é na justificativa que os instrumentos do
discurso político aparecem mais claramente.
Referencial de expectativas para o
desenvolvimento da competência leitora e escritora: caderno de orientação
didática de História / Secretaria Municipal de Educação – São Paulo: SME / DOT,
2006.
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