segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Discurso político



Discurso político

De modo geral, “o discurso é um conjunto de frases logicamente ordenadas, de forma a comunicar um sentido” (CEIA). Já o discurso político envolve o texto organizado com finalidades políticas e articulado com a esfera do poder. Ao proferir um discurso, o político assume uma posição ideológica e coloca-se histórico-socialmente perante seu público, evocando um conjunto de crenças e valores que, teoricamente, não poderá
contradizer (TAVARES).
Vejamos como exemplo o discurso de Getúlio Vargas nas comemorações do Dia
do Trabalho de 1951 (disponível em: <http://www.saoborja.com.br/getulio>. Acesso
em: 3 nov. 2006).
“Preciso de vós, trabalhadores do Brasil, meus amigos, meus companheiros de uma longa jornada; preciso de vós, tanto quanto precisais de mim. Preciso da vossa união; preciso que vos organizeis solidariamente em sindicatos; preciso que formeis um bloco forte e coeso que possa dispor de toda a força de que necessita para resolver os vossos próprios problemas. Preciso de vossa união para lutar contra os sabotadores para que eu não fique prisioneiro dos interesses dos especuladores e dos gananciosos, em prejuízo dos interesses do povo. Preciso do vosso apoio coletivo, estratificado e
consolidado na organização dos sindicatos, para que meus propósitos não se esterilizem e a sinceridade com que me empenho em resolver os nossos problemas não seja colhida de surpresa e desarmada pela onda reacionária dos interesses egoístas, que, de todos os lados, tentam impedir a livre ação de meu governo. Chegou, por isso mesmo, a hora de o governo apelar para os trabalhadores e dizerlhes: uni-vos todos nos vossos sindicatos, como forças livres e organizadas. As autoridades não poderão cercear a vossa liberdade nem usar de pressão ou coação. O sindicato é a vossa arma de luta, a vossa fortaleza defensiva, o vosso instrumento de ação política. Na hora presente, nenhum governo poderá subsistir, ou dispor de força eficiente para as  suas realizações sociais, se não contar com o apoio das organizações, sindicatos ou cooperativas, que as classes mais numerosas da nação podem influir nos governos, orientar a administração pública na defesa dos interesses populares.”
O que faz esse texto ser um discurso político? A quem Getúlio se dirige? O que fala? Qual a idéia que defende? Como justifica essa idéia? Como constrói o texto segundo sua finalidade política?
De modo geral, o discurso político fundamenta-se na construção de uma lógica de argumentação e exemplos, articulados estrategicamente, para propor um projeto de futuro. O estadista, propagando alcançar o bem comum, concebe um Estado ideal, contraposto ao real (presente). Por isso, o texto do discurso político insere-se na esfera da política e, nela, projeta-se no âmbito do possível, daquilo que pode ser feito (Gregório , 2005).
Para entender melhor o discurso político, é importante conhecer as ferramentas usadas por seus autores, ou seja, perceber que a intenção da construção do texto é atrair a atenção dos ouvintes/leitores. Para isso, eles fazem uso da persuasão e da eloqüência.
Na persuasão (com o objetivo de convencer, comover e agradar), ordenam os pensamentos de maneira a levar o interlocutor a aceitar certo ponto de vista. Na eloqüência, exaltam o otimismo, o entusiasmo, a vivência no Estado ideal, apesar das dificuldades presentes (idem).
Ao analisar esse tipo de texto, é essencial identificar o que está “influenciando” o autor/político no momento em que produz seu discurso, qual é o cenário, a época, o contexto em que está inserido. É preciso, assim, conhecer o discurso dentro de suas condições de produção (TAVARES). Como afirma Patrick Charaudeau (2006, p. 99), “o discurso político é, por excelência, o lugar de um jogo de máscaras. Toda palavra pronunciada no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que diz e o que não diz”.
No caso do discurso de Getúlio, para quem ele fala sem declarar explicitamente? O que diz sem efetivamente dizer? A análise desse tipo de texto nas aulas de História tem por objetivo formar leitores críticos, com domínios para questioná-lo e para perceber as afirmações e as contradições do que é dito e escrito por seus representantes políticos na vida social. Atualmente, quando falamos de discurso político, é quase impossível dissociá-lo de imagens na televisão, rádio, outdoors e palanques. Sabemos a força do vídeo e sua interferência na imagem do candidato e em seu discurso. Afinal, uma boa gravação é capaz de aumentar o número de eleitores de meia dúzia para uma centena; distribuição gratuita de bonés, camisetas, santinhos e faixas pode tornar simples espectadores militantes convictos; e a roupa da moda, maquiagem e gestos, cuidadosamente estudados, transformam o candidato em um artigo de consumo.
Na época de Getúlio, a ação da propaganda política também era associada a seus discursos políticos. Qual era o papel do Estado na construção da imagem desse presidente? Qual a relação entre a imagem construída para ele e seu discurso no dia 1º de maio de 1951?
Estudar discursos políticos nas aulas de História pode possibilitar um olhar mais analítico das reais propostas dos candidatos e seus programas. Afinal, nas palavras estão as intenções e as propostas projetadas por eles politicamente. Vejamos agora alguns trechos do discurso do presidente Lula no Fórum Econômico Mundial, em Davos, em 26 de janeiro de 2003 (disponível em: http://www.bbc.co.uk/ portuguese/noticias/2003/030126_integraamt.shtml).
“[...]
Trago a Davos o sentimento de esperança que tomou conta de toda a sociedade brasileira. O Brasil se reencontrou consigo mesmo, e esse reencontro se expressa no entusiasmo da sociedade e na mobilização nacional para enfrentar os enormes problemas que temos pela frente.
Aqui, em Davos, convencionou-se dizer que hoje existe um único Deus: o mercado. Mas a liberdade de mercado pressupõe, antes de tudo, a liberdade e a segurança dos cidadãos.
Respondi, de forma serena e madura, aos que desconfiaram dos nossos compromissos, durante a campanha eleitoral. Na Carta ao Povo Brasileiro, reafirmei a disposição de realizar reformas econômicas, sociais e políticas muito profundas, respeitando contratos e assegurando o equilíbrio econômico.
O Brasil trabalha para reduzir as disparidades econômicas e sociais, aprofundar a democracia política, garantir as liberdades públicas e promover, ativamente, os direitos humanos. A face mais visível dessas disparidades são os mais de 45 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. [...]
Urge que o Brasil promova a reforma agrária e retome o crescimento econômico, de modo a distribuir renda. Estabelecemos regras econômicas claras, estáveis e transparentes. E estamos combatendo, implacavelmente, a corrupção. [...] Somos um país acolhedor. A tolerância e a solidariedade são características do povo brasileiro. [...] Todo o esforço que estamos fazendo, para recuperar, responsavelmente, a economia brasileira, no entanto, não atingirá plenamente seus objetivos sem mudanças importantes na ordem econômica mundial. [...] De nada valerá o esforço exportador que venhamos a desenvolver se os países ricos continuarem a pregar o livre-comércio e a prática do protecionismo.”
O que há em comum entre o discurso de Getúlio e o de Lula? O que os caracteriza como discursos políticos?
Em ambos os discursos, podem ser analisados: as argumentações, a persuasão e a eloqüência na construção da fala/texto; o Estado ideal versus o real; a posição ideológica histórico-social; e afirmações e contradições na construção da fala de persuasão. Além disso, é importante reconhecer que os diferentes recortes estabelecidos pelo professor de História também são projeções políticas e ideológicas de seus valores e expectativas.
Assim, na análise do discurso político, professor e alunos são protagonistas na criação de um diálogo. No discurso de Lula, estão implícitos vários conceitos e fatos históricos, como: liberalismo econômico, cidadania e protecionismo; Davos e sua importância no cenário político-econômico do mundo; a própria figura política de Lula na história do Brasil; e o programa político do Partido dos Trabalhadores e sua trajetória para chegar ao poder.
O professor de História pode confrontar idéias identificadas no texto e conceituadas com base no próprio discurso com conceituações históricas de épocas passadas, encontradas em outros textos. Qual o conceito de liberalismo econômico no século XVIII e qual o utilizado pelo presidente? Como Lula entende o conceito de cidadania e como ela pode ter sido entendida em distintas épocas? O que significava protecionismo durante a política econômica do mercantilismo dos séculos XVI e XVII e na política econômica nacionalista de Getúlio Vargas e como Lula entende esse conceito hoje? Por que, para Lula, a liberdade e a segurança do cidadão estão antes do mercado? Mas de qual liberdade ele está falando? Por que, em sua concepção, o mercado pode interferir na liberdade? Pesquisas podem complementar a análise do texto, procurando respostas às seguintes perguntas:
• Por que o presidente afirma, em um primeiro momento, que ele representa a esperança de toda a sociedade e, logo em seguida, que alguns, durante a campanha eleitoral, desconfiaram de seus compromissos?
• Quais seriam as reformas econômicas, sociais e políticas que ele pretende realizar? O texto responde a essa questão?
• De que forma Lula pretende realizar seus objetivos (distribuir renda, garantir liberdades públicas, aprofundar a democracia etc.)? O texto responde a essa questão?
• Por que o presidente afirma ser o Brasil um país acolhedor, tolerante e solidário?
• Quais são as mudanças econômicas mundiais que ele considera necessárias para o desenvolvimento do país?
• Passados alguns anos, como ficaram os compromissos afirmados pelo presidente em Davos no que se refere a corrupção e combate às desigualdades sociais?
Por fim, pode ser significativo os estudantes refletirem sobre as características dos discursos políticos e depois, em grupo, elaborarem propostas para a criação de um texto com essas características, priorizando, por exemplo, a construção de argumentações para convencer os colegas de alguma proposta social ou política que defendem. Esse tipo de exercício contribui para o debate do uso da escrita para diferentes finalidades, atribuindo sentidos ao ler e escrever, desviando de textos apenas com fins escolares e avançando para produções mais profundas.
Uma sugestão para trabalhar com discursos políticos é propor aos alunos o desenvolvimento de projetos de lei para serem enviados para o Parlamento Jovem Municipal. A redação desses projetos pode consistir de duas etapas: leitura de textos de lei e leitura de justificativas de projetos de lei. Diante desses textos, recomenda-se questionar, por exemplo: a quem o projeto vai beneficiar ou na vida de quem (sujeito, grupo social etc.) vai interferir? De onde sairão os custos do projeto? Quem será responsável por sua manutenção?
Adquirido o aprendizado com as leituras, o passo seguinte é escrever o projeto de lei e sua justificativa. O texto da justificativa demanda mais cuidados, pois é nele que o aluno explica a razão de estar apresentando seu projeto, sua necessidade e sua importância, conclamando o voto favorável dos demais a sua proposta. Portanto, é na justificativa que os instrumentos do discurso político aparecem mais claramente.



Referencial de expectativas para o desenvolvimento da competência leitora e escritora: caderno de orientação didática de História / Secretaria Municipal de Educação – São Paulo: SME / DOT, 2006.



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